*Por Janaina Ramon
A chamada Reforma Trabalhista (*Lei 13.467/2017) inseriu formalmente a figura do empregado “hipersuficiente”, ou seja, o trabalhador com escolaridade de nível superior e remunerado em valor igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS – que hoje encontra-se no montante de R$ 14.174,44.
Com isso, a lei estabeleceu que o “hipersuficiente” poderá negociar grande parte de suas condições de trabalho diretamente com o empregador, afastando inclusive a participação do sindicato da categoria e eventuais cláusulas coletivas definidas em acordos e convenções, podendo incluir ainda cláusula de compromisso arbitral para sanar eventuais conflitos na esfera trabalhista.
O que aparenta ser um avanço na liberdade de negociação entre empregado-empregador, pode se configurar num grave desequilíbrio costumeiramente visto nesta relação e, como também não é incomum, com a balança pendendo desfavoravelmente ao trabalhador.
Recente decisão proferida pela Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), manteve a extinção de seu processo porque o trabalhador de um banco digital, com cargo de Analista de Suporte de Banco, recebendo salário de R$ 12.517,20 (à época em valor igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS) por não ter passado pela arbitragem prevista em seu contrato de trabalho.
Segundo a decisão “nem toda verba trabalhista é irrenunciável, até porque (…) prima-se pela solução consensual dos conflitos.” No caso, não se está a discutir verbas da rescisão, mas enquadramento na condição de bancário comum, que atua em jornada de seis horas.
Assim, questiona-se: ainda que com salário acima da média da população e formação superior, poderia mesmo este trabalhador recusar cláusula de convenção de arbitragem em seu contrato de trabalho e, ainda sim, ser contratado por um banco digital com estrutura multimilionária e suporte jurídico que tradicionalmente ocupa andares de prédios e contratam os maiores escritórios do Brasil para sua defesa?
Poderia este “hipersuficiente” ainda, em contrapartida debater as demais cláusulas e tornar os contratos individualmente negociados? Ou, o que nos parece mais óbvio, todos os trabalhadores deste banco, neste cargo e condições salariais, recebem um termo de adesão em sua admissão do qual não podem se opor?
A verdade é que nem de longe ainda possuímos a liberdade de negociar em cargos de base nos termos expostos na Reforma Trabalhista. À exceção de grandes executivos que são buscados no mercado pelos conglomerados para assumir cargos de alta direção, uma faixa profissional mais bem preparada em formação e assalariada acima da média não pode ser considerada “hipersuficiente” nos termos que a lei as enquadrou, caso que nos parece de um Analista Bancário.
Deste modo, a reflexão que nos parece relevante é que a Justiça do Trabalho deve ter cautela no enquadramento enfático destes profissionais, como se os requisitos estipulados respondessem qualquer dúvida e os encaixassem num perfil perfeito, como acontece com as peças de jogos infantis em que um quadrado não pode ser inserido num buraco redondo.
